sexta-feira, 26 de novembro de 2010

O Sapateiro Mudo ...

Subi as pequenas escadas inclinadas em esquadria, que embocavam numa pequena porta verde em pinho ressequido, da oficina. Empurrei a porta, calçada com uma pedra polida do rio, e rangeu, … o mestre, figurava sentado, levando á dança uma agulha e um fio-do-norte, no remate de uma ponta descosida … aproximei-me dele. Pôs o seu trabalho de lado, e levantou-se, de pronto a receber-me, com a ajuda dos braços, exercendo a força sobre os joelhos. O cardado das mãos, contrastava com o seu sereno ar... Saudei-o, gesticulando um acenar aéreo de "bom dia!"; contudo apertei-lhe a mão;... Movimentou os lábios, olhando-me, num surdino "b-o-m d-i-a!"
Voltou á banca, puxando um pesado avental de cabedal manufacturado de acastanhado, que dormia no chão nu da laje, junto a alguns pares de caminhadas de vida por arranjar, de modo a endireita-los e a encaminha-los... ajeitou o quico!
“Tenho estes, … precisam de um arranjo; duma … não sei … talvez … ” balbuciei mostrando o par …
Agarrou-o com suavidade, … vistoriou-o … “Humpfff! D-e q-u-e-m s-ã-o?” enquanto os manuseava …
“São da moça da aldeia vizinha, e que estuda na cidade!” informei …
Coçou o queixo, … “E-l-a g-o-s-t-a d-e t-i?” indagou …
Um pouco surpreso, respondi “Ela ama-me!” …
Olhou com precisão para a forma, … “N-ã-o h-á m-u-i-t-o m-a-i-s a f-a-z-e-r! … Humpfff! … O p-a-r e-s-t-á m-u-i-t-o b-e-m! … F-o-i f-e-i-t-o c-o-m m-e-s-t-r-i-a, f-é, d-o-r, d-e-d-i-c-a-ç-ã-o, … e s-o-b-r-e-t-u-d-o, c-o-m m-u-i-t-o a-m-o-r! Humpfff!” disse-me na sua paz …
“Mas isto não precisa de arranjo?” mostrando-lhe o que julgava ser o defeito, … “Humpfff! … I-s-t-o s-ó p-r-e-c-i-s-a d-u-m p-a-s-s-a-r d-e d-e-d-o p-e-l-o s-e-u c-a-b-e-l-o; o-u a-t-é d-e u-m o-l-h-a-r d-e-d-i-c-a-d-o; o-u d-e u-m a-c-o-n-c-h-e-g-o n-e-s-t-a-s n-o-i-t-e-s f-r-i-a-s; o-u d-e u-m a-b-r-a-ç-o i-m-p-r-e-v-i-s-í-v-e-l !” embrulhando o par, carinhosamente em folhas de papel de jornal …
A conversa, não iria render mais … peguei no embrulho, … acomodei-o debaixo do braço … ele voltou, com o seu ar taciturno, e de parcial surdez, a pegar no fio-do-norte enfiado na agulha … picou, puxou, encarreirou a vida … vezes e vezes sem conta …
“Quanto é? “ metendo a mão ao bolso, tilintando entre anseios, e desejos de uma vida …
“Humpfff! N-a-d-a !” no seu gaguejo de mudez natural, acenando silenciosamente a minha saída … volvi ás escadas, deixando para trás uma pequena oficina, de pouca luz, servida com a sua pequena janela minúscula, a sua pilha de formas enumeradas, peles de tom outonal, pares polidos, e o tic-tac que ruidosamente me despedia …

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Que se passa ...quando passa?

Que se passa com este tempo?
Não entendo ... nada me ocorre. Nem chuva, nem sol ...
Ao longe, estendo a mão, vejo a barra que clareia ...
O farol mostra a esperança, ... vou entrar, que a chuva começa a carapinhar. Talvez algo me surja, junto á salamandra  ....
... quando passa, esta azafama de "não sei quê"? Quando passa?

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

Fim de semana BP

"Escreveste algo sobre o fim de semana que passamos, pai?" indagou a filha num daqueles pequeno almoços rápidos a despachar, antes-de-ir-para-a-escola-e-trabalho.
Realmente, as obrigações de pai, marido e funcionário, encostaram á borda e na totalidade,  as experiências daquele fim de semana.
"Prometo que vou falar" disse, ... e aqui está.
Tudo se passou nos meados do findo mês.
Uma semana antes, reunimo-nos, na sede, numa das alcateias ..., dirigentes, pais, ...
A apresentação das actividades, novas adaptações  e orientações pedagógicas, e um primeiro desafio: acampamento acompanhado dos pais.
"Nós vamos!" em representação do agregado familiar ...
O fim de semana apareceu, e com ele uma precipitada semana diluviana, ... "Altera-se para um acantonamento!" foi a sugestão dada via sms pelos chefes.
Mochila de campismo da filhota preparada, e mais sacos-cama, colchonetes, pratos, talheres, toalhas, pijamas, fatos treino, ... em versão multipla de três.
Voltou o espírito aventureiro ... trouxa ás costas, isto é, na carripana, e ... destino "logo se vê onde vamos parar".
Cheguei um pouco mais tarde com o grandão, a viatura, o material de campismo, ... a esposa participa num "rally-paper" ou "peddy-paper", com a filhota, de modo a saborear um pouco o trabalho de equipa em orientação ...
Depois das equipas reunidas, gritos de guerra treinados, e apresentação na formatura, seguimos para a base do acantonamento, ... e espojamo-nos a um canto. Tarefas divididas, equipas de jantar escolhidas, começam a confeccionar uma rápida refeição quentinha: o tradicional arroz branco, a bela da fêvera assada, a salada temperada, ... o desenrascado.
Barriguinha cheia, tarefas cumpridas, ... acalmar que vem aí o "fogo de conselho": alguns jogos divertidos, algumas músicas de fileira, ... a galhofa em que todos participam, e em que as diversas idades revelam a sua parte artística e cultural: confraternizar.
O sono chega; o grandão começa a aninhar-se; a filhota partilha um canto com uma colega; nós esticamos a tralha e pernoitamos. Assisto ao momento exacto em que o grandão sucumbe ao sono, ... maravilhoso.
A noite passa ... e clareia ... o dia chega. O som estridente do apito madrugador, desperta todo o acantonamento. Acordar, levantar, movimentar, ... e recolher a tralha dispersa.
Limpo o sítio da estadia, e viaturas recarregadas, uma surpresa para o grupo de chefes, pais e filhotes: futebol humano. Quedas, risos, golos, galhofas, ... um bom terminar de actividade.
Para o final, antes das despedidas "do até para a semana", uma roda sentada, e o falar ... um a um ... um diagnóstico, uma opinião: "um fim de semana em pleno com a família, numa actividade diferente; além de já ter vivido o espírito de Baden-Powell, juntamente com alguns chefes e pais, aqui presentes..."